Pesquisa da Fundação Ezequiel Dias utiliza ovos e viabiliza a redução do uso de animais em testes de laboratório
Há quem pense que os ovos de galinha estão presentes apenas na alimentação do brasileiro e que por isso, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), são consumidos, em média, 257 ovos por pessoa a cada ano. Mas não é de hoje que os ovos também são utilizados em laboratórios de pesquisas, sendo ingredientes chaves para produção de vacinas e medicamentos para as mais diversas doenças.
No Brasil, segundo a ABPA, em 2021, foram produzidos cerca de 1743 ovos por segundo. Ou seja, mais de 58 bilhões produzidos ao longo de todo, sendo 99,5% destinados para o consumo nacional. Com uma farta remessa de ovos à disposição no mercado, pesquisadores encontraram neles um organismo vivo ideal para realização dos testes de medicamentos. Por conseguinte, viabilizam a redução do uso de animais, como ratos e coelhos, em laboratórios.
O Instituto Butantan, por exemplo, é referência no uso de ovos embrionados para produção de vacinas, como o caso da Coronavac, contra a Covid-19. Estima-se que o início de ovos em laboratório é datado de 1930, quando a Fundação Oswaldo Cruz começou a produção da vacina contra a febre amarela.
Hoje, além dessas, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) também é uma das instituições do país que utiliza ovos para aplicação dos testes em suas pesquisas. Por isso, conversamos com a pesquisadora Drª Silvia Fialho, Coordenadora de Pesquisa no Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico Farmacêutico da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed, buscando entender em mais detalhes como a pesquisa desenvolvida em seu laboratório utiliza ovos de galinha e a importância desses para os resultados alcançados.
O uso de ovos na farmácia oftalmológica
Financiado pela Fapemig e sob gestão administrativa-financeira da Funarbe, o projeto desenvolvido pela Drª Silvia Fialho tem como objetivo o desenvolvimento de novos medicamentos para o tratamento de doenças oculares. Dentre elas estão aquelas derivadas do crescimento anormal de vasos, principalmente, em virtude de quadros de inflamações, diabetes e idade avançada.
Os remédios que existem no mercado são principalmente produzidos com anticorpos monoclonais, produto biológico caro para utilização, e assim, busca-se outras opções de menor custo para os pacientes. Além disso, com um novo medicamento, há a tentativa de adotar uma rotina de “drug delivery”, ou seja, aumentar o tempo de validade do remédio, assim como a duração dos seus efeitos no organismo. Dessa forma, aumenta-se o espaço de aplicação de injeções e intervenções físicas nos olhos, por exemplo, e permite um conforto maior para o paciente durante o tratamento.
Para isso, a membrana do ovo de galinha embrionado é fundamental para o teste desses medicamentos. Segundo Fialho, são utilizados principalmente em três tipos de testes:
Headcam:
Ao produzir um medicamento ocular é necessário testar sua toxicidade. Assim, aplica-se a substância na membrana do ovo, que por ser similar ao olho humano, apresentará as possíveis reações que um paciente sentiria.
Crescimento de Vasos:
A Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI) é uma das principais causas de cegueira no país. Isso ocorre em virtude de um crescimento descontrolado dos vasos sanguíneos em sua categoria “ùmida”. Por meio dos testes em ovos, é possível entender como uma nova substância reagiria em contato com o olho humano e se reduziria ou não tal crescimento. Assim, poderia estabilizar o aumento dos vasos e evitar a progressão da doença.
Células tumorais:
A partir da inserção de células tumorais em ovos é possível analisar e aplicar testes com muito mais precisão. O ovo se configura como um “meio teste” muito mais adequado e similar ao organismo, quando comparado aos testes feitos em ambientes in-vitro, ou seja em placas celulares artificiais.
Essas são só algumas das infinitas possibilidades de utilização dos ovos de galinha para desenvolvimento da ciência. Tal amplitude reforça a possibilidade de se distanciar cada vez mais do uso animal em laboratório.
Disputa de ovos nas prateleiras
Ainda que a produção de ovos seja extraordinária, ela é destinada primordialmente para o consumo alimentício. O mercado de produção para centros de pesquisa é bem inferior, além de possuir diversas especificidades para garantir sua qualidade e aplicabilidade. A granja fornecedora deve fornecer e atender a diversas exigências sanitárias, como iluminação, controles de ventilação e condições climáticas.
Para viabilizar a compra dos insumos necessários para as pesquisas da Fundação Ezequiel Dias, especificamente a coordenada pela Profª Silvia Fialho, houve um árduo trabalho por parte da área de Compras e Importações. Em virtude da demanda ser menor do que a de grandes institutos de pesquisa, uma negociação foi fundamental para atender à realidade da Funed e ser viável para a granja produtora.
Fluxo de compra dos ovos:
O fluxo de compras desse insumo, em decorrência de sua perecibilidade, exige etapas cruciais para garantia do melhor produto na bancada do pesquisador. Em 19 meses de parceria, a Funarbe viabilizou a compra de mais de 11 mil ovos para pesquisa. Confira abaixo o fluxo da solicitação de compra até o pagamento final:
Esse é um ciclo que se repete até o fim do saldo de ovos, sendo este controlado pela área de Compras da Funarbe, possibilitando que o pesquisador tenha mais garantia da remessa recebida e a quantidade ainda disponível no estoque. Ao acabar o saldo, o pesquisador insere em nosso sistema de gestão um novo pedido de compra de uma grande quantidade desse insumo. E assim, possibilitamos a continuidade da pesquisa em parceria com o fornecedor contratado.
Reduzindo o uso de animais em testes
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, são consumidos mais de 93 bilhões de animais para alimentação, enquanto para pesquisa esse número reduz para 115 milhões. Equiparado, a ciência utiliza apenas 0,01% do fornecimento, mas ainda se faz jus a redução gradual desse ser vivo em laboratórios.
No país, em 1998, foi sancionada a lei que criminaliza atividades lesivas ao meio ambiente, afirmando a proibição do abuso, maus tratos, ferimentos e mutilações contra animais de todo tipo. Ela é aplicada nos casos onde há alternativas e ainda assim são utilizados animais vivos para experimentações dolorosas e cruéis.
Para o pesquisador Trevor Poole, em “Happy animals make good science” (Animais felizes fazem ciência boa”, o uso de animais em laboratórios interfere diretamente no resultado das pesquisas. Isso se deve às condições estressantes onde são colocados e que comprometem seus sistemas fisiológicos e imunológicos.
Enquanto isso, desde 2022, a agência reguladora norte-americana Food and Drug Administration (FDA) autoriza o uso de métodos alternativos ao sofrimento animal para testes de medicamentos. Isso não significa a proibição de testes em animais antes da aplicação em humanos e sim, o incentivo a outros métodos, como o uso de tecidos humanos desenvolvidos em laboratório.
Legislação brasileira e métodos alternativos:
Dito isso, no Brasil, existem projetos de lei que caminham para a redução do uso de animais, ainda que sejam necessários estudos pré-clínicos em animais e posteriormente, nos humanos. Por isso, em 2023, foi aprovada a Resolução Normativa CONCEA nº 58 que proíbe o teste em animais vertebrados, com exceção de humanos, para desenvolvimento e controle de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal. A resolução é válida somente para aqueles que utilizam formulações cujos ingredientes já tiveram a segurança aprovada previamente.
Assim, percebe-se que a pauta da redução do uso de animais em laboratórios é recorrente e caminha para frente. Em 2022, o CONCEA já havia liberado uma Resolução Normativa nº 54 que reconhece os métodos alternativos para desenvolvimento de pesquisas. Hoje, já são mais de 17 métodos aprovados pelo órgão, como por exemplo para testes de irritação de pele, irritação ocular, toxicidade aguda e absorção cutânea.
O uso de ovos de galinha embrionado, por exemplo, é um dos métodos alternativos que possibilita a redução do custo e os maus tratos a animais em prol da ciência. Por isso, as granjas autorizadas seguem rígidas exigências na criação e na seleção dos ovos, como por exemplo, o período máximo de 9 dias de incubação, antes de se tornar um pintinho. Com a alta produtividade de ovos, aumenta-se a possibilidade de aplicação na ciência e o retorno para a sociedade, garantindo medicamentos cada vez mais eficazes e que prezam pela saúde e conforto dos animais.
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